segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Meu balanço

O balanço é o lugar onde eu, desde criança, me entrego. Enquanto estou indo e vindo sinto medo, medo da corrente arrebentar, medo de cair pra frente, um medo carregado de inocência que nenhum dos olhos percebem, só os verdes atentos. Sentada ali eu me encontro e me acalmo, sei quem sou, mas de certa forma perco minha identidade domingo a fora. Lembro da paciência de minha madrinha que me levava àquele parquinho perto do mar, onde eu balançava horas a fio. Vejo o meu cabelo e consigo lembrar de uma cena exatamente igual a essa só que anos antes...eu tenho a mesma sensação de olhar tudo e não ver nada, é como se eu, ao balançar, não estivesse realmente ali. Ultimamente, tenho me deparado muito comigo mesma. Eu estou de frente pra mim, me vejo e acho engraçado ter sido assim, penso se ainda vou me ver como estou agora ou se existe alguma estabilidade em ser assim. Não rio da retórica que construí mas me divirto com ela.
Solto-me sobre o banco e tento recaptular meu último mês, os olhos verdes tentam mostrar-me o lado bom de mim. Decido (pela centésima vez) não viver nessa eterna expectativa que sempre acaba me decepcionando.
Sorrio então, enganando a mim mesma por saber que esse é o defeito que me sustenta.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Moinho

Ela esperou todos os dias, os feios, os frios, os de primavera. Resistiu resignadamente àquela desilusão cortante, até que um dia, quando sentar na varanda não era nada além de um hábito, os galopes foram ouvidos a quilômetros.
O rebento que trazia junto a si rodou como roda o mundo, as cirandas de fatos, que um dia são, no outro não mais.
Ela demorou tanto para esboçar alguma reação, que deu medo da estória não acabar bem.
Não como nos contos de fadas, com todo o abatimento da sua religiosa espera, desceu as escadas de madeira, seus passos eram céticos. Olhou aquele céu nublado e não conseguiu selecionar nenhuma daquelas palavras que pairavam sobre sua cabeça.
A essa altura, o homem, muito mudado, apresentava uma densa barba negra, já estava aos pés da escada. Abraçou-o apesar do suor, apesar do abandono, apesar dos sonhos renunciados, apesar de, amou.
Primeiro choveu muito, depois os tempos que se seguiram foram mais fulgurosos, em todas as mesas pão, frutas em todo quintal, desejos semeando o real.

sábado, 6 de setembro de 2008

Insight

Fito com olhos entreabertos o formato de X das curvas magnéticas, por elas passam, antes que eu pisque, pequenas rodas brincalhonas. Aquela loja não era o meu destino, mas aquele X, aquele cruzamento...
Desço dessa solidão, procuro encarar as coisas, nunca optei pelo esquecimento e não vai ser agora. Essas correntes não existem. Lembro-me da paciência com que montava o brinquedo, sem pressa, pra não faltar.
- Não faz isso
-Eu faço o melhor que sou capaz
- Desculpa essa insegurança

Como um clique, volto à tona.
Peraí, pára! Saio sem muitos reflexos da loja, desço as ruas, sempre reto, até o plano, chego ao quatro.

-Não posso te deixar escapar, não vai. Fica, não foge, você não pode ser melhor que aqui. Eu quis ter os pés nos chão, abri mão mas agora eu entendi. Eu vivia trancada. Eu preciso é lembrar de mim antes de te ter. Eu sou quem vai te libertar. Prefiro te ver pelas manhãs, juntinho, sem caber, até.
- Você é louca, Morena.
- Pára de esconder esse coração

E qualquer cômodo dali seria quente demais, cheio demais.

sábado, 30 de agosto de 2008

Tortuosas linhas certas

Tudo que fosse dito ali pioraria a situação ou ficaria feio para quem o fez. Então, decide não dizer, descer calada, bater a porta com cuidado. O automóvel partiu sem cerimônia, fazendo pouco caso do meu ressentimento. A omissão de um só fato nos instantes que antecederam aquele momento inerte, onde os pés encontravam-se tortos de um jeito triste, poderia ter sido algo grave, já que não era a primeira vez que coisas como esta aconteciam.
Não fosse todo o sentimento acumulado tempos antes e agora muito bem firmado, não sei viu. Passado o furor do momento, refleti sobre aquele céu conformista, sobre seus motivos confusamente sabidos e pensei que seria inútil a minha incansável busca por mudança. Será diferente quando certa autonomia geral finalmente for conquistada.
Não tenho essa certeza toda mas dizem que estas afirmações são boas.
Existe uma torcida pelo melhor, o melhor que possa vir para o nós. Acredito, que em certo momento um e outro se fundam num nós, sem que deixem de ser plurais, onde uma parte não quer ser sem a outra. Numerais importam sim, mas não consigo dar muita atenção a eles nessa hora, preciso de ajuda. E com números não posso ser autodidata o que, nessa situação e aspecto, me conforta . Mesmo que para virar tudo, pretendo escolher as armas mais bonitas sempre, acredite.
A metalinguagem transborda.
Estou como nunca 'mais pequena' e, com muita alegria, me sinto um pouco cheia de graça.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Fê,

Quero que você saiba que aquele dia que você não apareceu na minha apresentação de ballet eu senti que faltava um tom naquelas palmas. Mesmo com a galera que foi lá, não é o todo sem você. Confesso, até tive uma raivinha leve, mas eu sabia que você tinha pensando em mim e sabia também que você não ligaria. Você é muito sensata, não abre a boca quando não tem nada a dizer ou quando as palavras são brutas. Eu sei que isso faz muito tempo mas fazer o que...fui lembrar disso agora.
Hoje em dia, com nossa distância, vejo mais de você e das meninas em mim do que qualquer outra coisa.
Estou precisando de você. Vem me ver, fica uma semana, um mês, uma hora que seja, mas vem por favor.
Quero que você conheça minha casa, quero que você conheça a pastelaria da esquinha que vende uma pamonha que você não acredita. Lembra da ferinha? A gente comia pamonha lá quase toda semana!
Tô bem feliz no trabalho, me realizando e juntando dinheiro pra fazer aquela viagem pra Itália com o Eduardo que eu sonho desde o Científico!
O Edu tá ótimo, fantástico como sempre. Ele tá querendo mais gente nessa casa, minha filha! Mas eu quero fazer a viagem primeiro, aproveitar bastante nós dois.
Você já sabe o que vão arrumar pros 30 anos do Chicão? Se você quiser ajuda com idéias... só me falar a data que eu tô aí, viu?
Ô minha amiga, aquele cd do Pink Floyd tá te esperando chegar pra gente ouvir e beber caipifruta até de manhã que nem da outra vez!
Vem me ver e vê se carrega aquelas duas marmotas pra cá também! Poxa, tô morrendo de saudade!
Te amo
Lúcia

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Ana querida dos meus dias,
A sua saudade chega a me cortar.
Aqui o cotidiano é pálido e subnutrido, os quartos são apertados e úmidos, o trabalho árduo. Não tenho mais fome, tenho rezado de sol a sol para que Ele não me deixe cair de cama em desencanto, eu Ana, estou perdendo as forças.
Te vejo a todo instante, rogo à Nossa Senhora que te guarde pra mim e guarde também o seu amor por mim.
Escrever para você aqui é difícil e tenso, eles não dão trégua, mas graças à Deus frei Juvenil tem compaixão de nós e tem lhe enviado minhas cartas.
Lembro daquelas tardes no campo, dos poemas que lia para mim, dos seus longos cabelos negros e seu cheiro de erva doce.
Me espere minha delicada Ana,
Te beijo,
Antônio Augusto D´ávila

terça-feira, 29 de julho de 2008

Junção

Lúcia fica sentida por não poder ver o fim da discussão do bonito casal, já que o ônibus arranca do segundo ponto da Avenida Lirinopólis.
Ela se lembra de como ela e Eduardo também formam um casal vistoso, de como ele a conquistou, das ligações em tardes vazias que colorem o resto do dia, de como ele ri quando ela rima frases sem querer, de como ele embola a língua quando bebe meio copo de vinho.
Nossa, aquela é a Cristina! Como ela emagreceu, pintou o cabelo e aquela cara...ainda é o André? Droga...o ônibus arranca.
De repente ela sente uma saudade dos tempos de Colégio, de quando descia naquele ponto da Henrique Lacombe morrendo de preguiça mais doida pra encontrar aquelas carinhas conhecidas que agora andavam tão sumidas da vida dela. Lúcia pensou que também não podia reclamar muito do sumiço dos outros, ela se ocupava com a faculdade pela manhã, a tarde trabalhava como funcionária pública e a noite dava aulas de inglês e estudava. Ela, aliás, estava cada dia mais exausta, mas sabia que isso ia passar...faltavam alguns meses para ela se formar.
23h37 e ela estava abrindo a porta de sua casa alugada num bairro antigo e tranquilo da cidade.
- Oi James! Oi garoto! Onde está o nosso moço? Já chegou? Hein?
Acaricia o pêlo bonito do cachorro.
Lúcia reparou que havia uma vela no centro da mesa posta, tentou desesperadamente se lembrar se era alguma data especial, não conseguiu pensar em nada. Eduardo entra na sala, está vestido com aquela blusa roxa que Lúcia adora.
Lúcia sorri e seus olhos brilham, intensos.
Eduardo traz o macarrão de forno, abre o Miolo tinto e puxa a cadeira para ela sentar. Lúcia senta extasiada e coloca a bolsa na cadeira ao lado. Antes de mais nada, ele tira a caixinha de veludo azul do bolso.
Um sorriso úmido e um sim.

domingo, 27 de julho de 2008

Deveria

Admiro a coragem dele de comer cebola crua. Observo há alguns minutos mas sinto observá-lo desde menina, seu jeito de mastigar, o caldinho que escorre no canto da boca...Me pede para comer, desarranjado.
- A comida está ruim?
Faço que não com a cabeça, claro que não, eu queria abraçá-lo enquanto ele lava os pratos. Olho para a mesa onde comemos, ela me dá cada idéia...se ele ouvisse...
Inclino-me um pouco para conseguir enxergar seu corpo curvado, esse calor faz cada pensamento tomar conta da minha cabeça...
Já faz muito tempo que me escondo nos lençóis, e este homem me aparece, esse fantasma.
Decido-me. Levanto e digo de uma maneira involuntariamente gritada tudo que devia ter dito naquela tarde cinza que desde então me acompanha.
Digo que dele eu não tiraria nada, mas agora os dias insistem na claridade e as tardes, as tardes são quentes e tão bonitas, parecem zombar da minha entrega.
Nada, dele eu não tiraria nada, só esse vazio da casa.

sábado, 26 de julho de 2008

Ela, logo ela.

Há muito ela se senta na mesa de madeira e tenta rabiscar alguma coisa em seu caderno velho. As coisas já não fluem como antes...
Ela sente saudades de coisas que nunca viu, acredita que arrepios na nuca são muito mais que algo estritamente físico. Fica parada olhando por horas os livros, será que um dia escreverá como eles? Se imagina recebendo um convite formal pra ingressar na Academia Brasileira de Letras, idolatra a capacidade dos atores de transformarem-se.
As possibilidades em sua vida agora são tantas (e ela nunca soube escolher) que quando ela pensa nelas é como se sua cabeça amassasse e ela caísse em queda livre até bater numa cama de molas e ficar indo e vindo até a energia cessar. O estranho é que agora ela está se fechando e se contento, ela, logo ela. Aqueles que sempre estavam entorno, faziam com ela das lamúrias gargalhadas ou sons melhores, foram reduzidos a pouco freqüentes encontros rebuscados, nos quais ela olha nos olhos deles como que implorando, dizendo da falta que fazem.
Falta que ela muito chora, secreta nas suas paredes rabiscadas.
Ela, logo ela, que sempre odiou esses solitários recolhimentos, que nunca foi de pausas para reflexões. Ela luta para levantar e ir na direção oposta a eles, é duro não vê-los pela manhã, a única graça daquelas manhãs subseqüentes.
Quando ela escreve sobre a dor, crua, dramática, ela, logo ela, parece escrever de alguém, um Ela onde se sente fielmente mascarada.